"Penas do mensalão lembram a Inquisição, afirma Toffoli
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) José Antonio Dias Toffoli criticou ontem, em plenário, o tamanho das penas de prisão aplicadas aos condenados no processo do mensalão, dizendo que isso 'combina com o período medieval'.
Para Toffoli, as multas e a recuperação de valores desviados surtem mais efeito 'pedagógico' do que mandar para a cadeia.
'A filosofia daquele que comete um delito está em debate na sociedade contemporânea há muito tempo. Esse parâmetro do julgamento, em 2012, não é o parâmetro da época de Torquemada [famoso inquisidor espanhol do século 15], da época da condenação fácil à fogueira.'
E concluiu: 'Aqui o intuito final era financeiro, não era violência, não era atentar contra a democracia e contra o Estado Democrático de Direito porque eles são muito mais sólidos do que isso. O intuito era o vil metal. Que se pague então com o vil metal'".
Deixando de lado as discussões sobre quem é o magistrado e quem são os condenados, e focando apenas no que foi dito, de fato as condições da prisões brasileiras são, no mínimo, desumanas. Sim, são criminosos, mas um delito não justifica o tratamento desumano pelo Estado. Nem o Estado, nem nós - sociedade - podemos nos igualar aos criminosos, sob o risco de perdermos o direito de poder criticarmos quem errou e está sendo punido.
Mas nem só por isso a afirmação está correta. Primeiro, porque a Inquisição punia através da expiação dos pecados pela dor física e morte. Os 'réus' eram torturados, queimados, afogados etc. A prisão, pelo contrário, era - com o perdão do duplo trocadilho - uma benção. E partia-se da presunção da culpa. Tudo isso não existe no direito brasileiro.
Mas, deixando as questões históricas e figuras de linguagem de lado, vale lembrar que a prisão tem vários propósitos. Um deles é punir. O outro, é exemplificar e prevenir.
Dinheiro é algo impessoal. É fácil esquecermos por que estamos pagando. Mas a liberdade é algo muito pessoal. Ela tem uma conotação emocional muito maior. Ela não termina em um único ato, como um pagamento, mas se estende ao longo de um determinado período. Não é tão fácil esquecer.
E há outro fator importante do qual quase sempre nos esquecemos: a pena de prisão serve para igualar ricos e pobres. Se condenamos apenas financeiramente, estamos dando carta branca para os mais ricos cometerem crimes. Poderiam cometer os crimes que quisessem e apenas abrir o talão de cheque se fossem condenados. Os pobres, pelo contrário, continuariam em apuros. Foi, aliás, justamente por isso que criamos o sistema de pontuação nas multas de trânsito. Se a multa em si não iguala ricos e pobres, os pontos os igualam.
A prisão inverte a lógica da multa. O tempo do rico é tão ou mais valioso do que o do pobre. Ao ser preso, o rico fica privado de gerar riqueza em uma proporção igual ou maior que o pobre. E não podemos nos esquecer que alguns dos crimes cometidos pelos condenados são muito mais propensos a serem cometidos por ricos, já que demandam conhecimento técnico, que surge com o estudo e rede de contatos pessoais. Se limitássemos as punições possíveis para esses crimes apenas às multas, o efeito pedagógico provavelmente seria o de impulsionar essa prática criminosa.
Outro detalhe importante é que os criminosos são responsáveis civilmente pelos danos que causaram. O propósito do processo penal não é ressarcir os danos. Isso é feito no processo civil, que ainda pode ocorrer contra os réus.
As penas no direito penal são limitadas. Se você cometeu uma difamação, você sabe que ficará preso, no máximo, um ano. E sabe que a pena de multa penal não excederá 360 dias multas.
Mas, no direito civil, você é responsável por todo o dano que causou. A condenação não tem limite. Se tentássemos usar o direito penal para recuperar o dano, não teríamos necessidade de um processo civil, e os criminosos, novamente, sairiam na vantagem porque o valor dos danos pelos quais responderiam estaria limitado pelo teto imposto pelo Código Penal.
Por fim, vale lembrar que a lógica do pagar com 'vil metal' crimes cuja finalidade é o 'vil metal', é a lógica do olho por olho e dente por dente. Crimes que causam a morte deveriam ser punidos com morte e crimes que causam dor deveriam ser punidos com tortura. O difícil é imaginar como o crime de bigamia seria punido.
Essa, aliás, é a lógica empregada em alguns países que aplicam a sharia, a lei religiosa islâmica. E nem só por isso seus sistemas são considerados exemplos de pedagogia penal.